Sexta-feira, 15 de Junho de 2012

Poema de valter hugo mãe

o homem que já não sou


não me olhes agora que estou
mais velho e não correspondo em
nada ao homem que
amaste, procura encarar a tristeza
sem me incluíres, seria demasiado
cruel que me usasses para a
dor. para ti
quis trazer as coisas mais belas
e em tudo o que fiz pus o
cuidado meticuloso de quem
ama. não me obrigues a cortar os
pulsos quando fores num minuto ao
jardim com o cão

esta noite, sem notares, sustive a
respiração e quase morri. não deste
por nada. julgaste que voltei a
ressonar e até terás esboçado um
sorriso. e se eu pudesse morrer
enquanto sorris, pergunto

deixo para depois, ou talvez
desista. mas não pode ser se
tu me olhares em busca de tudo o que
já não existe. não pode ser, levo a
faca maior para debaixo do meu
travesseiro, juro-te que me
mato se continuares assim

valter hugo mãe

in Contabilidade

publicado por tiagonene às 01:07
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Domingo, 25 de Março de 2012

"Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI", por António Carlos Cortez

Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI

 

 

Introdução de António Carlos Cortez à antologia de poesia "Algarve - 12 Poetas a Sul do Século XXI" (Livros Capital/Linguagem de Cálculo, 2012)

 

Algumas palavras breves sobre este livro ou o Sul a várias vozes

 

Esta antologia, intitulada Algarve — Doze Poetas a Sul do Século XXI, contempla doze vozes muito diferentes da poesia actual. O título não poderia ser outro: Doze Poetas a Sul, pois não se trata, como o leitor poderá facilmente constatar, de uma reunião de poetas «do sul». Tornando elíptica uma preposição que não faria outra coisa senão diminuir o alcance deste livro, mais justa e rigorosa se torna a edição de doze poetas que, apesar de não terem todos a mesma região por nascimento — o Algarve — representam, de algum modo, esse lugar de onde são originários alguns dos mais importantes poetas portugueses do século XX. Bastaria, para comprovar o que se disse, indicar os nomes de António Ramos Rosa (Faro, 1924), Gastão Cruz (Faro, 1941) e Nuno Júdice (Mexilhoeira Grande, 1949). Certo é que este encontro de poetas «a Sul» traz consigo alguns motivos de reflexão, os quais, não querendo ser exaustivo, não posso deixar de destacar. Desde logo, que significará o ser‑se (ou fazer‑se) poemas «a sul». Designativo impróprio, por se sugerir que só a sul estes poetas poderiam ter feito tais poemas? E sendo «a Sul», apesar de portuguesa, não se poderia ter incluído uma mais fiel indicação quanto à proveniência dos autores, sendo todos do Algarve ou aí residentes? Questão talvez ociosa... O leitor que diga. E, já agora, se de Sul se trata, não poderíamos ter aqui poetas do Alentejo?... Outra questão sem importância, decerto...

 

Todavia, podemo‑nos perguntar, aprofundando, por que razão os responsáveis desta edição apenas quiseram seleccionar (contactar, escolher, restringir) doze poetas. Alguns outros poderiam, sendo algarvios ou vivendo no Algarve há décadas, figurar nesta compilação. Se a resposta à anterior pergunta for de simples critério de gosto — o que é legítimo — há uma outra interrogação que se intromete entre o leitor e esta selecção
de textos, a saber: Por que motivos os poetas aqui compilados escolheram estes e não outros poemas? Ou melhor: se este livro tem, nas motivações que o animam, o desejo de mostrar a poesia que se faz sobre o Algarve, então, porquê não concentrar essa visão do sul em poemas que imediatamente evocassem ou convocassem a ria de Faro, a Serra de Monchique, os belos areais da Praia da Ilha de Tavira, a cidade de Silves, Sagres e o Infante...? Mas esta pergunta tem resposta rápida: é que este livro, Algarve — Doze Poetas a Sul do Século XXI, não é uma compilação de poemas turísticos sobre o Algarve e, assim sendo, desengane‑se o leitor diligente ou regionalista, o leitor convicto das causas provinciais (ou provincianas). Em rigor, este é um livro feito «para» o Algarve, isto é, um livro para que os leitores, no Algarve (onde, como é normal, haverá uma maior divulgação, com sessões de lançamento que, esperemos, sejam concorridas), possam saber que há poetas, e dos maiores da nossa língua, nados e criados nessa região do país. Ou, o que é o mesmo: um livro para todos os que, gostando de poesia, possam entender como o lugar de origem se transforma em tema literário ou pretexto da escrita de um poema.

 

Neste sentido, Algarve — Doze Poetas a Sul do Século XXI não deixa de ser, acima de tudo, um livro de poesia. Sem mais. Os poetas convidados tiveram a total liberdade quanto aos textos que gostariam de ver editados. Escolheram‑nos em função do seu critério pessoal e intransmissível. Como leitores do mundo em que vivemos, não podem os autores destes textos, deixar de reflectir uma noção de poética, uma determinada concepção de trabalho verbal que interage com a visão de um mundo, correspondente à sensibilidade de cada um. Aliás, quanto a este último ponto, creio que pode ser muito interessante ver como a condição verbal da literatura — que é o que conta quando queremos saber se estamos ou não perante um texto literário (literatura é «linguagem carregada de sentido», diz‑nos Ezra Pound) — tem, aqui, diversos tratamentos e modulações. Consoante estejamos perante poéticas mais veementes no seu fazer gramatical (casos de Ramos Rosa e Gastão Cruz) ou mais veementes na sua irrupção emocional (casos de Casimiro de Brito ou de Esteves Pinto), assim o texto se apresenta ora mais alusivo, indirecto ou oblíquo, linguisticamente engenhoso, ora mais situacional, com remissões óbvias para certos referentes imediatamente identificáveis. Mas uma última pergunta, porém, se nos impõe: o que terá levado os organizadores a cobrir apenas vozes da poesia dos séculos xx e xxi? Esta última questão pode, sem esforço, ter resposta: «importa‑nos», dirão os organizadores, «o nosso tempo, os nossos poetas de hoje, os mais velhos e os mais novos e dar a conhecer o que o Algarve tem de poetas.» Seja. Independentemente do que venha a ser a fortuna desta edição, uma coisa é certa: esta colectânea mostra a quem quiser ver que, longe de Lisboa, centro decisor do que em cultura em geral, e na poesia em particular, se realiza em Portugal, há outros lugares para a poesia. Expressão máxima de uma língua, a poesia também acontece «ao sul». Tal facto, por outro lado, é sinal de ousadia e de risco, de vontade de fazer para além do que está instituído. O Algarve, relativamente a este aspecto, continua a dar cartas. Pois não foi em Faro que se fizeram projectos como os Cadernos do Meio‑Dia, de francófona e ramos‑rosiana inspiração na década de cinquenta? E sabemos como no Algarve uma revista como a SulScrito tem vindo a abrir portas e janelas a muitos jovens autores, alguns dos quais aqui presentes.

 

A título pessoal, confesso que é sempre com um misto de curiosidade e de paradoxal recusa que vejo publicações deste género chegarem às montras das livrarias. Sabemos todos que neste tempo de ditadura da banalidade imperam as «bestas céleres» de que falava Alexandre O’Neill... Os jornalistas de pacotilha e ao serviço das «esquerdireitas» do momento; os poetas pop que fazem digressões pelo país e o estrangeiro, os marginais de ocasião, muito nos poderia fazer desconfiar dos intentos deste empreendimento... Mas não é isso que se passa. Há, de resto, um fundo de autenticidade no projecto que aqui é apresentado — sem poses e artifícios quer‑se divulgar e promover, é certo. Mas não se pede à poesia o que ela não tem de dar: luzes de qualquer ribalta. Perdeu‑se, creio, um certo (e necessário) pudor, digamos assim, poético. Ao abrigo das leis do mercado, de uma cultura imediatista e sequiosa de descobrir ou patrocinar «novos talentos» a todo o instante, o poeta, do escritor, o homem e mulher que fazem cultura esquecem‑se do essencial: a literatura é um exercício de solidão. Seja por estratégia deliberada, seja por reflexo condicionado de uma época indecorosa,sabemos todos quanto o publicar‑se hoje um livro (seja poesia ou romance), não quer dizer absolutamente nada... Quanto à poesia, género desprezado (e ainda bem!) pelas grandes editoras, vale bem a pena descobrir neste marginal volume poetas, mais novos, que não fazem parte do (suposto? eventual? Imaginário?) «meio literário». E isso é relevante. A poesia, na verdade, seja a destes ou a de outros poetas que surjam em projectos de semelhante natureza (para já não falar das revistas nem das editoras de poesia, que correm o risco de desaparecer) está condenada a sobreviver num gueto... Essa é a sua maior força. E, na verdade, se lermos com atenção o percurso dos nossos maiores poetas do século XX, um padrão de comportamento podemos identificar. Reunidos em torno de revistas (de Orpheu ou presença até Limiar ou As Escadas não Têm Degraus ou, hoje, da Relâmpago às revistas Agio ou Telhados de Vidro) os poetas tiveram de se defender de uma progressiva perda de poder simbólico da literatura e da poesia. A imensidão de projectos editoriais surgidos nos últimos anos em Portugal (editoras como a Casa do Sul, de Évora (onde Ramos Rosa publicou); a Trama, em Lisboa são exemplos de monta), constitui um sinal de que a poesia, como queria Ruy Belo, em face deste «tempo detergente» não pode pactuar. Jean‑Luc Nancy, no livro A Resistência da Poesia (Vendaval, 2010), diz mesmo que não é outro o destino dos poemas: ficar a um canto e nesse canto acolher o que for possível. Assim, a minha curiosidade quanto a este tipo de projectos editoriais justifica‑se plenamente, na medida em que, inconscientemente, supomos que é possível encontrar uma voz que nos surpreenda e desafie (e estão aqui, pelo menos, quatro grandes vozes de poesia!). Além do mais, se for uma voz jovem, que traga consigo novidades de construção de linguagem, não daremos por perdido o tempo que dedicámos à leitura destes autores. Não se trata se querer encontrar nos mais jovens poetas aqui presentes a «revelação» poética com que a crítica tantas vezes se diverte. Trata‑se, julgo, de tentar ler o nosso tempo ao ler as gerações que aqui se entrecruzam. A revelação, a havê‑la, estará justamente nesse trabalho de revisão dos modos de dizer um tempo, um espaço, uma vida. Se a essa curiosidade inicial sobrevém o sentimento da recusa que nos faz recuar e perguntar se vale mesmo a pena mergulhar em mais um empreendimento que, à primeira vista, pode ser mais do mesmo, tal se deve ao que há pouco dizíamos: é que não pode o poeta querer ser, como as estrelas «pop» ou os futebolistas, os jornalistas‑romancistas. Esta edição terá, portanto, a desejada pouca sorte: é um livro de poesia de «poetas ao sul» e pode ser que poucos leiam este livro. Helás!

 

Os poetas mais velhos deste livro são António Ramos Rosa e Manuel Madeira. Quem apresenta Ramos Rosa é, inclusivamente, Manuel Madeira. Os mais novos são Pedro Afonso e Miguel Godinho, ambos nascidos em 1979 e Tiago Nené, nascido em 1982. Há depois a geração de sessenta, isto é, aqueles poetas que começam a publicar nos anos sessenta e setenta e estão hoje no auge do seu reconhecimento público ou académico: Gastão Cruz, Nuno Júdice e Casimiro de Brito.

 

Pertencentes à geração que nasceu nos finais dos anos cinquenta ou nos inícios da década seguinte, temos José Carlos Barros, Fernando Esteves Pinto, Rui Dias Simão e Vítor Gil Cardeira. Esta ordenação, seguindo quase uma orientação geracional, denota, enquanto estruturação da colectânea, o desejo de apresentar os diversos ângulos ou as diversas expressões poéticas que cada geração terá, eventualmente, realizado. Poder‑ se‑ia, talvez, ler cada uma das gerações à luz de uma concepção de linguagem poética que as reflecte? Ou não será mais acertado ler cada um destes poetas no que as suas propostas de linguagem têm de mais urgente e inovador, singularizando cada mundo de linguagem? Prefira‑se, por uma questão de método, a última hipótese. São poetas, todos eles, com modos totalmente distintos de dizer a vida. Da poesia cósmica e metaforizante, conceptual e imaginativa, solar e evanescente de António Ramos Rosa (que mostra bem como a sua poética é esse «caminho de palavras» e essa procura ontológica numa assumida «liberdade livre» da palavra como acto de criação), passando pela poesia de Gastão Cruz (reflexiva, vigilante e vigiada no seu lirismo, plena de um saber oficinal que reenvia a Camões e aos maneiristas, e que pelo saber consciente do verso, pela «agudeza e arte de engenho» fazem da sua obra uma das mais densas e exigentes da nossa poesia actual); sem esquecer ainda o que em Nuno Júdice é a ironia sobre o próprio dizer poético como modo (in) completo de ser comunicação, ficção e fábula, até chegarmos a Casimiro de Brito, em que a palavra poética perscruta uma sageza oriental, sem se eximir a um canto do corpo e do erotismo que, por vezes, contradiz (ou complementa?) um desígnio de expressão búdica da vida, na via de mestres para quem o silêncio é a arte maior; destes poetas, os mais conhecidos, à poesia de Fernando Esteves Pinto ou Tiago Nené, é todo um mundo verbal, de procura de uma criatividade na dicção, o que nos espera.

 

Observamos ritmos muito diferentes, temas e motivos radicalmente opostos entre estes autores. Creio que para poetas como Ramos Rosa, Gastão Cruz, Júdice e Casimiro de Brito, a poesia, no seu engendramento, no seu tratamento versificatório, é mais exigente. A leitura de um qualquer poema do autor de Ciclo do Cavalo transporta‑nos para dimensões oníricas inscritas dentro das palavras. É necessário, ao ler Ramos Rosa, estar‑se atentos às correspondências que se estabelecem entre os vocábulos e as imagens que, na trama textual, produzem efeitos surpreendentes de significação. Essa necessária atenção à gramática é uma marca evidente na poesia de Gastão Cruz. A invenção do real é, no autor de Rua de Portugal, causa e consequência das «emoções linguísticas». São as imagens o que o poema, como recriação de uma emoção primeira, grava, conferindo um sentido ampliado ao passado reescrito.


Mais metaliterárias, as poéticas de Gastão e Júdice, em alguns momentos, jamais, num e noutro, o real, o concreto, o palpável deixa de estar presente. Bem pelo contrário. Sucede é a realidade do passado ficcionalizar‑se num presente textual, através do qual se transforma a realidade dos factos vividos em realidade do acto poético. Note‑se, por exemplo, que o pendor narrativo da poesia de Júdice não deixa de tematizar certas linhas de uma tradição, nomeadamente a romântica, segundo as quais o texto poético é epifania, revelação, êxtase. Na página em branco, Júdice faz literatura e vida, recria em poemas‑história ou em poemas de substracto romanesco, o percepcionado por um olhar que desmonta, interpreta, estuda, recria. Narrativa poética, a de Júdice, e que terá influenciado muita da poesia (descritiva, coloquial, quase prosa) que se fez depois, em particular a cultivada pela geração de poetas como Barros, Esteves Pinto e Dias Simão. Mas estes, já pela experiência de revisão poética, que realizam nos anos oitenta, já pela procura de uma naturalidade ou espontaneidade que os libertasse da carga metapoética das gerações suas antecessoras (a de Ramos Rosa e as de Gastão Cruz e Júdice ou Casimiro de Brito), divergem de tudo quanto seja vigilância discursiva ou teorização literária dentro do poema. Com efeito, em muito se aproximam, os poetas que têm entre quarenta a cinquenta anos, do gosto inglês (?), espanhol (?). Prefere‑se um dizer que vai mero apontamento, do sardónico e corrosivo, ao melancólico e sarcástico entregue ao tom «maldito» (especialmente em Cardeira). Esse tom dessacralizado da poesia reactualiza‑se em poetas já nascidos nos finais dos anos setenta, como Pedro Afonso. Tratar‑se‑á de um menor investimento na engenharia verbal? Tratar‑se‑á de uma menor atenção àquilo que poderíamos ver como exigência formal, estética? Ou é, tão‑só, o sinal de que a poesia, hoje, deseja verdadeiramente comunicar, dizer, mostrar? A poesia de José Carlos Barros, por seu turno, podendo dialogar de perto com a de Júdice, pelas remissões culturalistas de uma e outra, pauta‑se por uma denegação narrativa, preferindo um olhar menos implicado numa realidade referencialmente concreta. Propõe‑nos um olhar em diferido, por meio de outras artes, a pintura. O sujeito não evita, porém, em lançar‑se em outras direcções, nomeadamente a intimista e confessional, convocando a memória às vezes numa toada mais confessional. Já Fernando Esteves Pinto, falando sobre a miséria e grandeza do fluir humano (o seu livro O Tempo que Falta é disto um exemplo suficiente), não raro se aproxima de um pensar o poema que, aqui e ali, lembra muito algum Ramos Rosa. Trata‑se de um poeta para quem a aura da poesia se perdeu porque jamais a poesia teve essa aura de baudelaireana fundação. A poesia não é, pois, lenitivo seja para o que for. Poesia é, em Esteves Pinto, a dor lancinante de um «eu» que procura nas palavras o que elas não podem oferecer: o amor, o encontro feliz. Dramatizando, encenando outras vozes que pela voz do poeta partilham narrativas feridas de morte, há momentos em que os seus textos levantam a cisão, fecunda, entre pensamento, palavra e acção, edificando um sujeito que não pode jamais resolver essa mesma cisão. E é justamente a divisão, um «eu» cindido, um «ser» a caminho da morte o que lemos, nos melhores momentos, em Godinho, Nené e Afonso. A ambiência deceptiva ou crepuscular inscreve‑se num reconhecível modus operandi da poesia mais recente. João Luís Barreto Guimarães, Tolentino Mendonça, Manuel de Freitas, eis alguns possíveis nomes a ter em conta quando lemos Nené, Afonso e Godinho. Ultrapassadas eventuais influências, o certo é que o poema é também, nos três autores mais novos, nota breve, registo de um dia‑a‑dia perdido.
Mesmo se havendo espaço para assentar filosofias ou meditações que mostram a ironia sobre o acto de escrever pensado como frustrada experiência, o eixo comum a estes poetas é, sem dúvida, a concepção do poema como experiência não da linguagem em si mesma, mas da vida gravada numa hipótese de linguagem. Assim se justifica a preferência pelo banal, pelos acontecimentos aparentemente sem importância, aproximando‑os de uma linhagem de poesia de circunstância extremamente produtiva... Em todo o caso, há «ruas que sangram» em Pedro Afonso, e um léxico muito original, acompanhando um universo interior irónico e magoado em Tiago Nené, que vale a pena registar.

 

Na violenta época económica em que vivemos, poetas como Cardeira e Simão, vindos da geração de oitenta, lembram‑nos, pelo inusitado de certas construções verbais e pela sarcástica adesão a um real abjecto — que se impõe em textos de forte anti‑poesia, como que desautorizando o próprio gesto da escrita — a herança «sixties» que, neles, directamente se filia com certa poesia «beatnik». Mas algo de profundamente idealizado existe nos textos destes dois autores: por detrás do salivar relativista de tudo, esconde‑ se, por vezes aquele «fetiche do fim que dissolve a neblina» de que fala Cardeira... O mesmo é dizer que, entre gerações, as várias que aqui se reúnem, a poesia, ora como acto de imaginação, ou como engenharia verbal, ou profunda meditação sobre si própria, ora como revelação íntima ou confissão em diferido, acaba por chegar sempre aos leitores que a queiram ou saibam ler. Várias vozes são aqui alvo de reunião. As entradas sobre os autores especificam o quanto este prefácio não soube dizer. Informam‑nos sobre as linhas de leitura a ter em conta quanto a estes doze poetas.

Haverá, obviamente, quem venha a julgar programática (por algum motivo obtuso...) esta edição. Não há nada de programático. Apenas o Algarve (podia ser o Porto, o Douro, ou o Alentejo, como se disse) vem mostrar como a poesia encontra sempre ruas onde não há sinais de
sentido único.

 

António Carlos Cortez,
22 de Outubro de 2011

 

publicado por tiagonene às 20:32
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Abade de Jazente / Poema

 

 

 

 

 

Amor,é um arder, que se não sente;

É ferida que dói, e não tem cura;

É febre, que no peito faz secura;

É mal, que as forças tira de repente.

 

É fogo, que consome ocultamente;

É dor, que mortifica a Criatura;

É ânsia a mais cruel, e a mais impura;

E frágua, que devora o fogo ardente.

  

É um triste penar entre lamentos;

É um não acabar sempre penando;

É um andar metido em mil tormentos.

   

É suspiros lançar de quando, em quando;

E quem me causa eternos sentimentos;

É qum me mata, e vida me está dando.

   

Abade de Jazente

in "366 poemas que falam de amor",

antologia organizada por Vasco Graça Moura,

Quetzal Ed., Lisboa 2004

 

*

Escritor português, nasceu em Amarante, em 1719, tornando-se pároco de Jazente a partir de 1753, cargo ao qual resignou, por doença, em 1783. Estudou em Coimbra e foi uma das presenças da Arcádia Portuense que reuniria por finais de 1760. A sua vida repartiu-se entre esta, as festas conventuais e a solidão rústica.
Como poeta, sobretudo sonetista, cantou os temas horacianos do amor epicurista e da dourada mediania rural. A obra legada fornece-nos preciosos depoimentos históricos e também por ela sabemos dos seus prazeres (a caça, a pesca, o jogo, a boa mesa); das suas fraquezas, do seu triste envelhecer, dos seus amores, pois revela-nos episódios concretos de um relacionamento com Nise (anagrama de Inês da Cunha). Os sonetos respeitantes a esta constituem o mais pungente drama de amor do século XVIII português. Além de poesia de circunstância, deixou textos de conteúdo moral e poesia de matiz romântica. (in Infopédia)

 

 

publicado por tiagonene às 03:46
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Sábado, 24 de Março de 2012

Poema de Luís Serguilha / Hangar 7

Luís Serguilha é dos poetas portugueses contemporâneos que mais admiro. Gostei muito desta proposta, do livro KOA'E. Confidencia-me o autor que "é para poetas" e eu entendo bem o que quer dizer.

 

publicado por tiagonene às 21:59
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Tiago Nené, poeta português, editou os livros de poesia: "Versos Nus" em 2007
"Polishop" em 2010
"Relevo Móbil Num Coração de Tempo" em 2012.
Vive em Faro e é advogado.

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